28 dezembro 2009

Do Diário de Suelen Gueiras

Atrás da página arrancada.
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Cidades não só guardam, como desabrocham, escondem idade, têm personalidades, são sonsas, querem ser outra coisa, fingem que não vêem. Cidades parecem mulheres. Acima de tudo, cidades mentem. Califórnia é uma mulher tão ou mais mentirosa que eu. Ou ela estava simplesmente me sacaneando. Me pegou pela mão, mostrou o céu, depois me girou no salão até que eu trocasse os pés.

01 dezembro 2009

Do Diário de Suelen Gueiras

Uma página arrancada.
Califórnia com outro cheiro. Mesmo Sol, no entanto. Mesmo céu. Além dos amados de sempre não me esperava ninguém lá e eu não esperava de ninguém. Pela primeira vez, Califórnia sem tumultos, sem atropelos, mágoas, beijos roubados. De primeira, assim, nem parecia Califórnia. Depois, andando pelas ruas velhas, sob o sol quente desvelou-se diante de mim aquilo que estava escondido há anos. Aquele lugar meu, o calor que é quase o meu hálito. O canto que tem o mesmo céu que aqui só que diferente, que me pega pela mão e mostra:
"Olha Suelen, olha lá bem pra longe antes que o arranha-céu suba e esconda o mar. Olha bem pra lá, lá bem longe." - e eu olhei.
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Toda a família tem o que fica, o que vai e o que vai e volta de tempos em tempos.

30 outubro 2009

De Alagadiços e Areais - Alfinim Ariza e D. Eulália

Parte 2\2 Para Parte 1\2


D. Eulália era linda quando casou-se e morreu mais ou menos com o mesmo rosto. Sebastião Ariza gostou dela e de sua fala mansa e de como ela comandava a casa a fazenda. Ele pediu sua mão, o pai entregou de bom grado. Na lua-de-mel Eulália conheceu Aloísio Martaga, caixeiro viajante que trazia na mala a camisola que ela encomendara para a grande noite.

"Eu embrulhei em papel de seda e perfumei com dama da noite porque imaginei que assim deveria ser a moça que usaria esta camisola." - Eulália não gostou do enxerimento e ia batendo-lhe a porta na cara quando ele completou - "Mas vendo a senhora agora percebo que estou enganado. O mais certo que a senhora deveria fazer era não vestir nada e seu marido será o homem mais feliz desse mundo." A porta bateu.

Eulália usou a camisola na noite de núpcias e, dois dias depois, deitou-se nua sob o cajazeiro ao lado de Aloísio. E assim, ela dormia vestida com Sebastião e nua na grama do cajazeiro. Ele sumiu no terceiro mês sem deixar carta.

Vinte e três anos depois, Aloísio Martaga apareceu em seu quintal sem solenidades e disse, com o mesmo enxerimento que a conquistara antes:

"Mulher, deixe o menino fazer o que quer."

"Você sabe que eu não posso Aloísio. Que irresponsabilidade seria!"

"Eulália deixa os meninos serem felizes!"

"Seria algo contra Deus!"

"Mulher, há aquela Duna na cidade. As pessoas estão rareando, estão esquecendo das outras. A cidade está vazia. Em breve você não se lembrará de mim, nem eu de você. Nem o menino de Matilda... Deixa os dois..."

"Não."


"Ele não vai fazer se você não deixar. Essa covardia ele puxou do pai. Eulália... a Duna vai apagar tudo, engolir com areia. Não vai sobrar quem lembre!"

"Deus vai lembrar!"


"Deus mandou a Duna. Ele mesmo não quer que ninguém lembre. Não basta você esquecer de mim?"


"Não. Você não vai ganhar de novo."


"Ganhar? Eu só estou perdendo! Minha vida, minha filha, minha memória, você... Eu não vou lembrar porque não vou mais sair daqui. Mas eles podem. Deixa os dois..."

Aloísio não gostava de falar muito e encerrou o pedido ali. D. Eulália se recolheu, deitou-se ao lado do marido e sonhou que Aloísio vinha encontrá-la debaixo do cajazeiro e os dois dormiam nus na grama. Na manhã seguinte liberou Alfinim para seu casamento e a boda foi em três meses. A condição que ela impôs foi que os dois se mudassem para longe dali.

Pouco tempo depois, D. Eulália esqueceu Aloísio e a areia invadiu a fazenda cobrindo até o moinho. Aloísio morreu antes de esquecer.


De Alagadiços e Areais - Alfinim Ariza e D. Eulália

Alfinim Ariza nasceu debaixo de um cajazeiro, numa tarde fresca, tendo como nome de batismo Alfredo Cícero Ariza, mas a magreza e os olhos aguados fizeram o povo da fazenda de seu pai, o prefeito Sebastião, chamá-lo Alfinim.

O menino não chorou. Soltou no máximo um grunhido para se acostumar ao novo clima e acomodou-se no colo de D. Eulália. O pai gabou-se dizendo que era um cabra-machinho, mas a mãe sabia que era tudo culpa sua, pois chorara todos os dias debaixo daquele cajazeiro um infortúnio amoroso. D. Eulália sabia que chorara toda a alegria do filho antes mesmo dele nascer.

Alfinim virou um menino quieto e pálido que, aos 19 anos, sentou-se ao lado do pai na prefeitura de Alagadiços. Exatos 2 anos antes da Duna chegar a cidade. Porém, era bom apenas em desenhar e assim, fez praças, uma escola, a nova fachada da prefeitura e um jardim. Até que.

Matilda Luísa era uma moça teimosa quando chegou a Alagadiços junto com o pai Aloísio Martaga em um opala preto e hospedou-se na casa de sua tia-avó. Sentava-se todos os dias ao piano perto da janela e tocava músicas populares a tarde inteira até sentar-se para o chá na mesa do jardim. Foi quando Alfinim recuperou a cara de vivo. Ela era a mulher mais linda do mundo e ele passou a desenha-la em qualquer quina de papel.

Na fazenda, o boato dos novos moradores de Alagadiços fez D. Eulália ficar mais tempo sob o cajazeiro. A paixão fulminante de Alfinim não teve lugar na mesa do jantar, mas, uma semana depois, ele confidenciou à mãe que iria pedir a mão de Matilda. Imediatamente ela o proibiu, dizendo que o filho precisava antes conhecer o mundo. No dia seguinte, Alfinim partiu e voltou um ano depois com a Duna já enorme na porta da cidade.


Na mesma noite anunciou o noivado com Matilda Luísa mas a mãe o interrompeu novamente dizendo que ele precisava conhecer melhor as mulheres. O filho saiu calado e voltou seis meses depois tendo conhecido 40 ou 50 moças de família da região e conquistado 9 ou 10 corações. D. Eulália reclamou que ele precisava ter um emprego e Alfinim se candidatou a prefeito e ganhou. Ela disse que ele precisava pensar no futuro, ele comprou uma casa com três cômodos, um berço e um retrato de Matilda na parede da sala e foi ver a mãe.
continua...

31 agosto 2009

Coisas que Perdemos no Caminho

As chaves, o celular e o casaco, com certeza.

A realidade, o fio da meada, a atenção. A paciência, nunca.

A confiança em quem parecia tão firme e o contato com quem parecia tão importante.

Perdi aquela oportunidade, aquele emprego, aquele gol.

Perdi o ritmo, a linha, a carteira de motorista. Mas sempre, sempre, achei o caminho de casa.

O momento de ficar calada e de abrir a boca. Perdi as palavras também.

A ingenuidade, a inocência, algumas crenças e esperancinhas. A imaginação, nunca.


Já perdi a cabeça, o chão e o fôlego e, ao perdê-los, não os quis de volta.

Vou perder meus filhos pelo menos uma vez no shopping ou no parque, mas não a minha criança interior.


Vou perder o sono pensando no futuro e a hora pensando em beijos escondidos.

Perdi a razão mas recuperei.


Perdi tempo. Sorte minha que eu não sei ver hora em relógio de ponteiro.


Perdi-me nas ruas e em pensamentos. Não saberia dizer em qual dos dois me perdi mais. Perco entradas, saídas e retornos. Para isso não há solução que não seja fazer o caminho mais longo para voltar.

12 agosto 2009

Coisas que Aprendemos no Caminho

Com o pai: que Pink floyd se ouve alto e no escuro;
Com a mãe: que todo burro preso também pasta;
Com a prima magrela: que toda mulher é sagaz;
Com os irmãos: a guardar dinheiro na meia quando se anda de ônibus;
Com a avó: que eu só sirvo para amigar;
Com o avô: "...casa só pra você ver!";
Com o colégio: que tequila se bebe com sal e limão;
Com Santo Agostinho: "ama e faze o que quiseres";
Com a Professora de Literatura: que covarde é quem escreve pra ninguém ler;
Com o Professor de História: que, no fim, o amor que você ganha é o mesmo que você deu;
Com uma melhor amiga: a ser má;
Com a outra melhor amiga: a ser boa
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Com o namorado: que se pode saber no mínimo 2% de qualquer coisa;
Com o técnico: que a vida é jogo de contato, não gostou, vá fazer tricô;
Com um amigo: que eu me defendo constantemente de elogios;
Com a faculdade: que eu posso contar qualquer história sem necessariamente estar mentindo;
Com o motorista do ônibus: que não se pode confiar em mulher;
Com o guru: que eu não gosto de rotina;
Com o Obelix: que listras verticais emagrecem.

20 julho 2009



No vento frio forçam-se os limites das frases com nexos profundos demais para noites em claro. Nas horas tecem os passos que nunca darão e se desejam na distância dos braços. Leves toques saciam peles arrepiadas e os trajetos traçados em companhia disfarçam a vontade de estacar e estancar volúpias. Dividem a dúvida de se quererem demais ao ponto do medo. Ela sonha com sua cintura nas mãos dele e os pensamentos dele gaguejam ao lado dela. Ir embora satisfeito, com sucessos ou com eles mesmos, parece impossível.

Sentiam falta um do outro nas noites, mas, como anti-amantes que eram, as saudades não ocorriam na aurora nem na meia-noite. Faltavam-se às três da manhã, no escuro. E, ao raiar, abraçavam-se, cumprimentavam-se, fechavam os olhos. Não olhavam para trás nem arrependiam. O dia apaga os cheiros, embaça lembranças e os dois dormem suas vidas.

A noite é sempre curta para desejos tardios.

07 julho 2009

Paredes Pintadas

É isso. Paredes novas! O pequeno cantinho das minhas esquizofrenias com cheiro de páginas novas. E a paciência para caçar e - pior ainda - escolher um template com a cara da casa veio de um monte de gente que nem sabe o bem que estão me fazendo! Fica um agradecimento velado porque ditar nomes é muito Oscar pra mim...

Espero que gostem do papel de parede!

23 junho 2009

Estação Largo do Machado

Desembarque pelo lado direito.
Felipe e Érica saíram de mãos dadas do vagão e caminharam até as escadas. Ele era o boêmio, eclético, sem estilo nem tendência. Nunca reparou que aquilo não deixava de ser um estilo. Inteligente, teimoso, não perdia argumentos, mas soava esforçado demais, às vezes. Sonhava alcançava os sonhos. Estava onde queria estar: de mãos dadas com Érica. Menina de beleza pouco explorada, estudante de ciências sociais, polemista sem ser polêmica. Ela era o Brasil cara-pintada, militante autônoma, consciente e literária. Apertava a mão dele com força e sabia andar e conversar olhando apenas nos olhos. Nunca tropeçava.

De frente para as escadas, Ella passou correndo. Muito branca, tênis velho e a calça segura apenas pelos ossinhos saltados do quadril. Felipe não conseguiu não achá-la linda. Olhou Érica e sua excitação pós-ditadura enquanto Ella tinha um ar de rebelde de 68, muito livre numa casca de noz. Felipe a amou enquanto subia as escadas. Amou os dias em que Ella discutia política internacional e quando iam ao cinema. Adorou suas amigas meio hippies e os pais que moravam em outro estado. Ele a levaria para todas as praias que conhecia, os bares escondidos de santa tereza onde se considerava amigo dos garçons e terminaram na casa dela.

Quando Ella subiu o primeiro degrau, Felipe mudou para sua casa. Era livre demais, distraída demais, andava olhando para o chão e soltava a mão dele para perder-se. Ella o amava, mas Felipe era sem objetivo, sem organização e, quase no topo, ele a deixou. Deu-lhe um beijo na saída da estação e não quis mais vê-la. Ella sumiu no Largo do Machado sem sabermos se chorou ou não.

Felipe, recém-separado e seguindo a vida, olhou Érica, tanta coisa nela por descobrir e d'Ella já sabia tudo. Então, pisaram juntos o primeiro degrau.

16 abril 2009

Fertig

"... fechar temporariamente as portas e janelas de nossa consciência; permanecer imperturbado pelo barulho e a luta do nosso submundo de órgãos a cooperar e divergir; um pouco de sossego, um pouco de tabula rasa da consciência, para que novamente haja lugar para o novo, sobretudo para as funções e os funcionários mais nobres, para o reger, prever, predeterminar - eis a utilidade do esquecimento, espécie de guardião da porta, zelador da ordem psíquica, da paz, da etiqueta: com o que logo se vê que não poderia haver felicidade, jovialidade, esperança, orgulho, presente, sem o esquecimento. O homem no qual esse aparelho inibidor é danificado e deixa de funcionar pode ser comparado a um dispéptico - de nada consegue dar conta, que nunca se livra de nada, que nunca fica pronto para o novo, para o presente..."
- F. Nietzsche


Ás vezes, não adianta cuspir, pôr para fora. Não adianta destilar veneno, ódios, palavras duras nem lágrimas. Em alguns momentos, para nos resolvermos, há que se pôr para dentro. Há que se engolir orgulhos, a culpa, a dor. Há que deixar passar, para as entranhas absorverem, a decepção e a frustração, a desconfiança e os maus conselhos. Há que deixar dissipar no sangue a distância e o silêncio. Há que se colocar na memória bons momentos e pesar no cérebro o quanto devemos fazer e o quanto fazemos o que nos dizem. Há que calar gritos, há que trocar recalques por oxigênio, encher os pulmões de rachaduras velhas e lembranças poeirentas. Para só então, expirarmos desculpas, exalarmos alegrias, chorarmos idas, gritarmos vindas, parirmos distâncias e suarmos sossegos.

30 março 2009


"Segura pra mim?!" – eu perguntei e muito rápido, como se o momento já fosse se perdendo, dei a ele meu desejo antes de ir embora – "Eu juro que volto pra buscar."


E tentei tanto voltar! Corri de volta as milhas e os metros, mas não sei aonde virei errado. Desorientada. Fato foi que me perdi daí e, junto, perdi carteira, a identidade, paz de espírito, um rasgo de pele e as chaves. Todos apontavam um horizonte onde o ceú caía pro mar e eu me apressei em chegar em casa. Na esquina da rua certa ficou a coragem e o mapa que eu não consegui levar. Quando alcancei, não vi meu desejo na sua mão, estava quieto dentro de uma caixa de sapatos sobre a mesa do almoço. Você já ia longe com botas sujas de terra em estradas mais floridas com uma pequena de vestido estampado cujo coração pendia em um laço no pescoço. Pelo menos, você furou o papelão para deixar o ar entrar e ele ainda pulsava sereno quando abri a tampa. Peguei aquele bichinho acuado e ele espalhou-se nas minhas mãos querendo um carinho. "Vem, menino,vem..."

16 março 2009


“Sempre imaginei o paraíso como uma biblioteca.”
Jorge Luís Borges


Não vou dizer que era uma noite sombria ou que eu vinha arrastando correntes pelas ruas de Ipanema, nem assegurar-lhes que alguém passou e me fez pensar que a vida estava boa. Não era Natal, nenhum sinal no céu, nem ano bom. Apenas encontrei, no mesmo lugar em que sempre esteve, algo que estava há muito sumido. Como se explica um reencontro com algo que não se sabia perdido até o momento em que se dá de cara? Algo que se perdeu sem ser notado, sem nunca ter tido o privilégio de um olhar de esguelha para evitar que fosse perdido. Algo que, poderíamos dizer, ficou para trás.


Enfim, estava lá, absolutamente alheia a todas as minhas insatisfações, quieta, sem ambições de ser a melhor empresa para se trabalhar ou o primeiro nome do “top of mind” brasileiro. Era o meu paraíso calado, que não sussurrava mais meu nome por achar que eu tinha me desgarrado para sempre. Em letras garrafais se apresentava a mim novamente e eu, rendida, parecia adentrar um novo mundo. Todas as estantes de livros para mim, toda ela respirando e eu lá dentro, aninhada, ouvia de novo meu sangue correr.


O tédio de mim mesma, a velha raiva batida pelos mesmos problemas, escorreram pelos pés. O medo de ter virado alguém desinteressante esvaiu, o esnobismo de achar que depois de quase todos os Borges e Márquez lidos havia pouco que poderia me agradar, foi extirpado. O cheiro do café misturado a páginas novas... Eu reencontrava meu lugar no mundo e ele era ali, sentada talvez numa cadeira de praia como os velhinhos fazem, observando o movimento. As edições de mim mesma voltavam a mim enxotando as reclamações de sempre. A edição de luxo, o primeiro exemplar, o pocket-book. Virei outra ou voltei a ser a mesma, gastei horas crescendo, sapateei entre as estantes, escolhi livros que não pude levar, achei um novo autor preferido. Reencontrei meu pequeno paraíso.


Assim, abraçada por uma mãe saudosa, abençoada pela maçã mais doce da criação, voltei para casa onde o milagre se operou. Empregada, escrevendo, saciada e completa novamente.

05 março 2009

Quanto riso, ó!

Quando eu era pequena meu pai me levava para o bloco onde eu jogava confete nos homens vestidos de mulher. Eu nunca fui fantasiada para carnaval nenhum o que me deu, acredito eu, uma certa neutralidade, na hora de apreciar a fantasia dos outros. Desses anos de observação surgiu esse post, justamente no carnaval em que eu me rendi e me fantasiei.

Claro que, existem todas as fantasias legais que o carnaval faz as pessoas inventarem. Mas é fato que existe toda uma semiologia da fantasia de carnaval que não escapa à perspicácia de ninguém. Apresento a tese, então:


Fantasia de criança: batman, homem-aranha, havaiana, gatinho, bailarina, cinderela, Aurora (ôôôô...) e qualquer princesa.

Fantasia de uma peça só - aquela em cima da hora ou para quem não quer se molhar por inteiro na chuva do carnaval. Recorrentes: Arquinhos, óculos de todas as formas e cartolas em forma de chopp. Se divide em uma outra categoria:

Fantasia de Menina: a princesa, a bruxinha-que-é-boa, a fada que sempre se confunde com borboleta. Personagens que se resumem a uma peça: a tiara, o chapéu pontudo, a varinha ou a asa. Para exaltar a feminilidade e disfarçar o fato que todas invariavelmente vão fazer xixi na calçada atrás do carro.

Fantasias coletivas: os homens normalmente escolhem uma camiseta com dizeres engraçadinhos e a útil ferramenta do nome nas costas pra facilitar o approach e a identificação. As mulheres, por outro lado, utilizam as fantasias coletivas com o intuito de tornarem-se mais interessantes dado o fato de que são, na maioria, comprometidas em pleno carnaval. Então, saem todas de árbitros de futebol, coca-cola, meias listradas e bóias de sapo e o nome "sapecas" na camiseta.

Há uma sub-divisão aqui:

Fantasias coletivas em família: o que mais existiu esse ano foi a família pré-histórica.

Fantasia das "malvada": tudo o que tiver rabinho ou orelhas. Coelhas, onças, tigresas, gatas, guepardas... acompanha famoso e sedutora "rááuurrr!!"

Fantasia das "muito malvada": tudo o que tiver chifres e asas nas cores preto ou vermelho. Diaba, Bruxa-má-mesmo, Anja-demoníaca, morceguinha.

A noiva: simples projeção

A fantasia que não é fantasia: chapéu de malandro, galera, é chapéu de malandro! não é fantasia! nem as camisetas de bloco. nem plaquinha escrito "FREE HUGS!" "ME BEIJA OU EU PASSO POR CIMA", etc...

Fantasia da tiazona: não tem. Mas elas são sempre redondas, animadas, suadas, descabeladas e usam cores berrantes. Show a parte.

A fantasia da moda: 2009 foi o ano de Amy Winehouse. Musa do carnaval carioca, a junkie tava era pinto no lixo.

28 janeiro 2009

Santa Chuva

J,

Os nossos dias começaram aqui. Faz um calor infernal (aí também, com certeza) e, dia sim, dia não dá uma chuva por voltas das 18:00. Venta por cima do Cristo, um vendaval com cheiro encorpado de terra molhada. Eu espero na varanda ou na rua, como fazíamos quando éramos pequenos, mas não como mais biscoito-de-vento enquanto aguardo. Nada mudou: sombrinhas, gente correndo, aquele povo que fica debaixo dos toldos olhando o resto se molhar. Ainda existe dentro de mim aquela sensação de ser um anjo que aprova a ira divina.

Porém, J, a última chuva é o que me faz escrever. Porque por mais que eu sinta sua falta, que seu rosto seja outro na minha cabeça e nossas palavras tenham terminado em amenidades desnecessárias que eu quero evitar, aquela chuva me lembrou você e de como teríamos dado as mãos e corrido até a Lagoa sentindo cada gota descer pela curva das nossas costas. Aquele era um temporal de respeito J, que abraça, sobe a saia e não quer saber de regras. Como você.

Caminhei até a Lagoa naquele cortinado cinzento e percebi que hoje não tenho mais medo de um raio me pegar na ciclovia. Lá, sentado em um hidrante, magro e escorrido pelo aguaceiro, estava um rapaz que tinha os olhos claros como se recuperasse uma razão há muito esquecida. Algo nele se iluminava e eu não quis deixá-lo sozinho, não queria que ele fosse embora nunca mais. Há anos esperava por alguém naquele caos, na chuvarada certa. Ele me perguntou – não ria J – se eu estava lavando a alma, mas ele é um principiante e eu o perdoei pela besteira e lhe ensinei o que você me falou: que não tem porra nenhuma a ver com a alma! É entregar o seu corpo ao caos, não ter medo dos galhos caírem nem dos postes, nem dos carros baterem nem de raio, nem da pneumonia depois. Só corpo. Tremer, bater queixo, sentir a roupa pesar, os dedos enrugarem. Só gente. Ele me deu a mão. Andamos e éramos os donos do mundo, conversamos até secar. Não falta mais ninguém agora.

Eu espero que a estiagem aí dê folga e você leve seu menino para o primeiro banho de chuva. Ele tem seus olhos aguados.

S.
 

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