19 abril 2007

Do Diário de Suelen Gueiras

TOTLECO*


"...Seriam todas as perguntas reversíveis? Existe o direito de perguntar ao outro o que acabou ele acabou de lhe perguntar só por esse simples motivo? Existe àquele que responde o dever ou o direito da mentira? O que seria pior: uma grande mentira nunca descoberta ou uma pequena mentira inútil dita quando você sabe que ela não é mais que isso mesmo?Mentiras pequenas e mentiras mesquinhas. Existe um bem na mentira inútil e pequena? E na mentira útil? Preservar é só uma ilusão? Mentir pequeno ou grande, nos poupa ou poupa aos outros?Mentir nos poupa mais que aos outros. Talvez não..."


"...Sim, eu queria ter mentido naquela hora, exatamente ali, mas não consegui. Não havia com o quê mentir. No lugar, ouvi e chorei de verdade uma verdade. Queria ter mentido e queria que mentissem para mim. Uma para me garantir, a outra para me poupar. É feio rezar pra que mintam pra mim? É feio pedir que me poupem? Ingênua ou covarde seria eu? Queria que doesse como dói em mim. E só, com uma mentira, minto que tudo vai bem..."
"...Definitivamente ingênua..."

"...Se a gente repetir 10 vezes a mesma mentira ela se torna real tão somente para nós? Repita que não fez. Repita que não sabia. Repita que não é bem assim. Repita que ela não entendeu. Repita que ele estava errado. Repita que a culpa foi do outro. Repita quem faltou. Repita que não se importa. Repita que sempre é você. Repita..."

"...Tão ridículos nós que mentimos e ao mesmo tempo tão recorrentes em todos os lugares. Os mentirosos são companheiros e são o mundo todo. Quem ouve a mentira sim, está só, porque apesar de já ter mentido, naquele momento ele não está entre os companheiros, ele não tem o apoio do mundo todo. No momento da mentira, o enganado se sente inimigo do mundo e ao mesmo tempo tão frágil para lutar contra ele. O enganado perde a fala e tenta saber, dentro de si, se suas mentiras doeram tanto assim. Mas ele sabe e sente que a mentira designada a ele é sempre mais e maior do que aquela que ele designou para o outro..
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Pura mentira..."


"...Não se enganem, a mulher-maravilha não morreu... encontra-se em coma..."


*TOTLECO é o quarto mês asteca

01 abril 2007

Neurologias


“Esquizofrenia leve”, disseram os doutores diante das minhas queixas de linha cerebral cruzada. Prescrição especial. Mas como o Diazepan não me fazia lá tão bem, provocava uma certa dormência no meu lobo occifrênico diametral superior central, na quinta prega F4, responsável basicamente pelas minhas risadas e minha habilidade para tarefas mais complicadas como contar piadas e fazer caretas (Acreditem em mim, não há coisa pior que ver graça nas coisas e ser incapaz de rir). Sendo essa minha maior queixa suspendi a medicação e mudei de doutor.

“O senhor entende o que eu digo, doutor?” – disse eu – “Que o meu lado esquerdo fala muito mais que o meu lado direito comigo? O lado esquerdo é verborrágico, o direito é mais tímido. Mas o incômodo é que eles brigam, doutor! Arengam incessantemente. O lado esquerdo é mais enérgico, não me deixa dormir, o direito, mais tranqüilo, se refugia em corações e cacos durante o dia. "Covarde!" diz o esquerdo e resmunga qualquer coisa o direito. Eu fico no meio, como uma mãe que segura os meninos travessos pelos pulsos na hora de atravessar a rua.”

“O problema doutor, é que o lado direito não responde, pobrezinho. É romântico, idealista, jovem, indeciso. É libriano, entende? O esquerdo não. O esquerdo é o resto, tagarela, instigador, obsessivo, firme, sábio. O esquerdo não quer ser nada que ele já não saiba que é. Eu cedo ao lado esquerdo e afago o direito como um gato. Às vezes o direito me puxa suavemente prum canto e me diz que eu sou ele. Minha voz se amansa e eu sou bem mais feliz comigo mesma. Já o esquerdo reprova e me mostra um mundo mais repleto que o mundo direito. No meu caso doutor, o meu direito é gauche. Que me diz o senhor?"

“Que dia é hoje, hora e onde você está?”

“Eu sou LOTE* doutor, não se preocupe. Digo-lhe que o problema é apenas de falta de telefonista nisto tudo, sabe? Alguém que envie a chamada certa pro destinatário competente. Linha cruzada, doutor.”

O doutor suspirou e olhou o pátio do hospital.

“E então doutor, tem como descruzar?”

“Não, não tem. Infelizmente. A senhora, entre esses dois lados, é quem?”

“Eu? Ué, eu sou eu! Margarida.”

“Não, não... a senhora se vê mais no lado direito ou no lado esquerdo?”

“Ah não doutor, não me enrole com essas de política que o meu negócio aqui é neurológico!”
*LOTE = Lúcida e orientada no tempo e no espaço.
 

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