28 outubro 2007

Falta ainda você

Chega logo que a cama ainda está quente, os lençóis revirados, as toalhas molhadas que pedi para você estender. Vem cantando, pois a vitrola arranha um disco seu que perdi a capa e você me mataria se soubesse disso. Deixa-me dizer que a prateleira não agüentou o peso dos seus livros porque você insistiu em não me deixar usar a furadeira. Diz que esqueci de novo o carro no shopping e as chaves sobre a banca da Prefácio. Precisei arrombar a porta a pés-de-cabra e lágrimas pesadas. A poeira e o par de pingüins me esperavam. O Ray-ban ainda está sobre a mesa. A casa não é sem você e seu cheiro.

Volta, que a varanda ainda está aberta e o vento ainda sopra da Gávea pra Botafogo. A tarde laranja caiu, o morro acendeu e eu espero fechar-te num abraço que nem o Redentor na quina da janela. Volta, que os armadores ainda seguram a sua rede, e eu, aninhada lá dentro, prometo não chorar mais.

19 outubro 2007

Do Diário de Suelen Gueiras

achado entre as páginas 134 e 135 do diário.
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R querido,

Pensei demais em sua carta, porque, como você mesmo sabe - e reclama - , eu penso demais. Não sei, no entanto, se, mesmo depois de todo esse tempo, lhe dou uma resposta que baste. Você me perguntou R, se eu poderia dizer a você o que eram as músicas de amor para os que nunca amaram e eu te digo, apesar de não querer jogar nenhum balde de água fria nas suas expectativas, são todas besteiras. Cogitei várias respostas e a que ficou sem refutações foi: besteiras. Nenhuma delas diz do tempo que pára ou do sangue que escorre. Até para mim, R, que já amei, a resposta permanece. Ao chegar a essa conclusão, percebi que eu mesma andava muito mais descrente e desconfiada das coisas do amor do que poderia imaginar.

Amor é uma reviração de entranhas, requer sangue grosso e quente, pede o seu estômago. Amor é cru e, ás vezes, feio. As músicas não falam dessas coisas. É lógico que eu não gostaria de dizer tudo isso para alguém que procura tanto, mas, você sabe que “eu gosto é do estrago...”

É verdade R, que eu não sou a melhor pessoa para lhe dizer tudo isso, eu ainda não passei da primeira fase do jogo. Talvez, para você ele chegue diferente de como chegou para mim. Em todas as maneiras ele te obriga a ver-se e saber-se demais, a lidar com os seus demônios e com os alheios. O outro vai pedir, julgar, desconfiar, vai trazer uma paz de espírito que você nunca sentiu, uma sensação de pertencimento. Você permanece ali, num jogo esquisito de pernas bambas. Nada consome e enriquece mais.

R, não procure nem se engane. Amar pela primeira vez é saber até onde você pode ser melhor do que você acha que é. Pela segunda vez é simplesmente saber que acaba. Primeiro amor nunca acaba, vira presente do tempo e fica guardado sem perder o gosto doce. Segundo amor... segundo amor, ás vezes, só existe para te ensinar que termina.

Acredito que Carol já tenha lhe falado tudo a respeito e duvido que ela acredite em músicas de amor.

Um beijo de longe.

S.
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Para moetzinho...

03 outubro 2007

Antes que as luzes acendam

As imagens piscavam frenéticas dentro dele compassadas por um coração meio bêbado e pela música rápida. Não ouvia nada e a luz intermitente não o incomodava. O gosto do uísque fazia lembrar que aquele momento não era nem paraíso nem inferno, era a Terra como sempre fora, com os quadris dela dançando na sua frente. Não era uma visão do passado, não era memória, era o novo com um gosto de melancolia que vinha junto com a bebida, talvez.

Era uma noite dionisíaca demais, muita gente, música alta - o uísque que ele já não sabia mais de onde surgia - e ela dançando. Ele não se reconhecia, inundado pela vontade de levá-la dali pela mão. A namorada estava longe suficiente para deixá-lo lembrar em paz que uma noite de sua vida se resumira a imprensá-la contra uma daquelas paredes e depois disso... depois disso várias coisas, tanto conquistadas quanto partidas.

Percebeu que ela deixava a pista na direção do banheiro. Pensou que poderia seguí-la, mas desistiu. Nada de mais, já fizera uma vez. Tanto seguir quanto desistir. Surgiu mais uma dose. Enquanto ficasse ali, sentado, desejando-a, ele beberia. Irremediável, tanto para o uísque como para ela.

No banheiro mínimo, ela bateu a cabeça contra a porta da cabine, vendo, nos olhos fechados, as lembranças passarem como se tudo fosse um velho drive-in. Quatro paredes e toda a sua saudade espremida, fazendo força contra o seu corpo. Era tão desnecessário chorar e quase incontrolável.

Saiu e olhou-se no espelho. Pelo chão, o resto da convicção de que não sentia mais saudades. Não era capaz de evitar um tremor nas mãos. Esfregou o rosto e convenceu-se de que era outra. Já havia perdido tempo demais querendo ser a mesma menina de antes, que não tinha mais remendo. Eternamente apaixonada pelo rapaz no sofá, que não era mais o mesmo. Irremediável, tanto para o sentimental como para ele.

Deixou o banheiro e voltou para a pista. Ele continuava sentado com parte do olhar nela, parte nos amigos. Não se deu por vencida, não chorou mais tempos idos, não se arrependeu nem tomou iniciativa. Apenas sorriu, para umas manipuladora, para outros decidida. Para ele, que era o único que importava, oferecia um trato. A namorada estava longe suficiente para deixá-los em paz com suas memórias. Ele com os olhos nela e ela dançando para ele.

Irremediáveis os dois.





 

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