22 agosto 2008

Krig-Ha Bandolo


O que mudara na casa de Nanda era, principalmente, uma mesinha que ela comprara em uma tarde de surtos. Porém, naquele dia, o mais diferente ali era a presença de Sérgio na sua cama e ela nos braços dele. Ele chegara com um girassol na mão e ela tirou por jogada juvenil lembrar de sua flor preferida. Abancou-se no sofá.

“Mesinha nova?” – perguntou como se o movelzinho fosse um intruso nas lembranças que ele tinha do apartamento – “Não sei se gosto...”

“Comprei pra quebrar na sua cabeça.” – ela pensou e depois apagou, porque ele estava lá, depois de oito meses nebulosos que Nanda preferia esquecer.

Sérgio estava de novo sentado no sofá, nada parecia ter mudado. Os choros e chopps anti-surto com as amigas desvaneceram, as sinucas na Lapa para ter mais o que fazer sumiram, flertes inférteis foram esquecidos, arrependeu-se das noites com outros caras. Ele dizia as palavras certas que quebravam aquela parede de mulher bem resolvida e Nanda voltava a acreditar no amor, na vida a dois, no mundo, na bondade das pessoas, no altruísmo, na política, no "para sempre. Tudo isso vinha na garupa do cavalo branco de Sérgio. Apesar de não transparecer, ela estava pronta para que ele a pegasse pela cintura como os mocinhos do faroeste e a levasse de sua casa no meio de uma cidadezinha empoeirada e quente justo quando os índios estavam para atacar.

Entre elogios e toques delicados, embalado em uma fala mansa e terna, ele falou da vida, dos erros que cometera no trabalho, a mudança precipitada para São Paulo. Contou como tinha sido ruim com a Carlinha porque estava em um momento de confusão emocional e de como terminaram aos trancos e barrancos. Nanda não fazia idéia de quem era Carlinha, mas pelo que entendeu, não queria discutir sobre ela.

“Olha, eu não sei se quero saber da Carlinha, Sérgio. Quero saber porque você está aqui.”

“Veja bem, Nanda, eu errei muito esses últimos tempos... Muito mesmo. Estou tentando consertar.” – Pela primeira vez, ela notou que Sérgio tinha um jeito de bicheiro misturado com neo-malandro da Lapa. Devia ser esse “veja bem” que ele sempre usava.

Ela farejou um pedido de desculpas no meio da frase canastrona. Instintivamente, sabia que ele nunca assumiria que cagara o pau e considerou aquilo o mais próximo que Sérgio chegaria de admitir que errou COM ela. Não gostou, mas considerou que ainda era raiva engarrafada.

Do sofá para a cama foi uma discussão complexa sobre o cabelo estar mais curto ou mais longo do que da última vez que se viram. E o sexo... ah, o sexo... burocrático ao ponto de repartição pública. Nanda se pegou olhando as paredes do quarto e pensando que lilás rapsódia seria uma cor ótima para o novo cômodo.

Quem era aquele homem ali ao lado? Os dedos enrolados nos seus cachos permaneciam os mesmos, as costas largas e o braço tatuado também. Era o Sérgio, ué! - ficava se repetindo. O fisioterapeuta responsável e carinhoso com os pacientes, com apartamento próprio e família legal; o cara que gostava de fazer trilha, correr na Lagoa e tomar suco de clorofila no Leblon, que ela achava lindo, que a tratava bem. Ele estava lá, no cavalo, estendendo a mão. Era hora dela subir, bastava estender a mão e pular. Nunca mais veria os arbustos rolando com o vento, nunca mais a secura da terra. Adeus, índios!

Mas aí, o cavalo deu uma empinada, Sérgio rolou ribanceira abaixo e Nanda lembrou que o cavaleiro destemido era o mesmo com aquela mania de cutucá-la quando queria falar, de fiscalizar seus cigarros, que reclamava do expediente que terminava tarde, que não gostava que ela fosse à sinuca nem às festas que tocavam Madonna mas ao mesmo tempo mulherengo, ciumento ao cubo, com um ar arrogante de garoto-saúde. Era todo igual ao que se lembrava e nada mais do que imaginava para si.

“E agora?” – ele perguntou acariciando suas costas. Ela não quis desviar o olhar para não entregar a dúvida.

“Não sei... tudo meio repentino, né? Nem sei o que você quer direito. Era só me pedir desculpas ou...”

“Nossa reconciliação, ué! Você não entendeu quando eu falei?”

“Quando você falou da Carlinha?! Não, não ficou muito claro, não.”

“Eu quero voltar com você, Nanda. Eu era melhor quando estava com você.”

As palavras de Sérgio pareciam tão longe, tão fora da realidade e aquele girassol na cabeceira tão murchinho. Nanda desviou o olhar para o teto e falou séria:

“Sérgio, eu sou a mesinha da sala.”

“Hã?”

“Se eu te contar tudo o que eu sou agora, você não vai saber se gosta de mim ou não.”

Era verdade. Depois de oito meses, ela era uma espiral, crescendo e girando. Mudara de emprego e agora vivia sem dinheiro, andara em uns cantos muito finos e em umas sinucas chinelonas, conhecera gente nova, ouvia outras músicas, passou a correr na Lagoa, aprendeu duas coisas na cozinha, esqueceu de casar, de como se vive a dois. Nanda não fugia mais dos índios.

“Claro que não, Nanda! Eu tenho certeza que ainda gosto de você, eu não tinha noção do quanto era feliz!”

“Me dá o telefone aqui, Sérgio.”

“Pra quê?”

“Preciso pintar o apartamento.”

O que havia mudado na casa de Nanda era, principalmente, Nanda.
 

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