20 setembro 2006

Analogia para um momento

Sabe quando você finalmente resolve sair com uma pessoa?

Fica-se horas enfurnada em um quarto, abrindo portas de armários entre peças de roupas, entre dúvidas e frios na barriga, cenas imaginadas e relembradas. E, quando as roupas parecem chegar ao fim, seu armário se mostra sem fundo e lhe apresenta mais opções, mais dúvidas. O peito aperta porque você tem certeza que não vai dar tempo. Ainda falta o cabelo. E os sapatos. Você fica e persevera, experimentando, fazendo comparações, querendo fazer tudo certo. Tudo certo. Até que as peças se combinam. Repentinamente, como em toda cabeça de mulher. Tudo certo, decidido. A roupa que você imaginava, que você acredita certa.

Sabe quando você sai na rua depois disso tudo?
Você se sente bem, maravilhosa, segura de que daquela forma não existe a possibilidade de algo dar errado. Está tudo certo.

E aí um pombo caga na sua cabeça.

Sabe quando um pombo caga na sua cabeça?
Você fica um instante parada na rua sem ousar olhar para cima, sem se mover, achando que de onde veio aquilo pode vir mais. Você treme de tristeza e raiva. Talvez você chore um pouco. Ou muito. Sua segurança escorrendo pela roupa cuidadosamente escolhida, a roupa em que nada poderia dar errado. Um pombo cagaria na roupa na roupa do Batman?

Então, você pensa, ainda tremendo de tristeza e raiva, com aquela certeza quase palpável, que perdeu o seu encontro. Na sua cabeça existem apenas duas opções: você pode cancelar o seu encontro, voltar pra casa, chorar de raiva e tristeza e trocar de roupa. Você nunca mais andará pelo Largo do Machado. Você não vai mais encontrar aquela pessoa.

Ou, você pode entrar no primeiro banheiro que encontrar e tentar consertar o acontecido. Mas você nunca vai ter certeza se tudo ficou no lugar certo como estava antes, ficará sempre procurando uma mancha ou um indício de que o pombo cagou na sua cabeça. Seria válido enfrentar o desconforto de saber que um pombo cagou na sua cabeça, estragou a sua roupa certa e você não tem a certeza se está apresentável ou não para a pessoa? Seria válido sair do banheiro mesmo com vários pombos lá fora que poderiam arruinar o resto do seu dia?

É fato que nenhuma das duas opções lhe agrada, nem o extremismo de não arriscar, nem o conformismo de sofrer um incômodo calada. Você continua parada no meio do caminho olhando pros lados, sem saber o que fazer, dando passos sem direção. O pombo voa embora. Talvez você ainda esteja chorando.

Agora eu te faço uma pergunta: e se Dona Cleide que “trás” a pessoa amada em 3 dias tivesse dito a você que o pombo cagaria na sua cabeça, você sairia de casa mesmo assim?

09 setembro 2006

Nas prateleiras

Esse texto começa com uma metáfora, uma imagem. Imaginem que nossa memória é uma prateleira, ou melhor, uma infinidade delas, arquitetonicamente bem iluminadas e de extremo bom gosto. Imagem clichê, bastante cinematográfica, incrivelmente quinta série. Às vezes não gosto dela pela simplicidade, mas é, para mim, uma imagem quase perfeita da minha memória. Não exatamente da minha memória inteira porque as memórias de coisas muito remotas, muito chatas ou simplesmente dos recados que eu tenho que dar saem, em algum momento das prateleiras bem arrumadas e vão para o quartinho da bagunça. Nas prateleiras ficam certas... coisas. Um conjunto de coisas pra ser exata, entre imagens, sentimentos, retalhos e saudades. E pessoas.

Sem percebermos, nessas paralelas nas paredes da gente, guardamos pessoas e tudo aquilo que gira ao redor delas. Aquelas que nos fazem sorrir, não importa o quão ruim foi o tempo que passamos ao lado delas. São aquelas que, sem querer, fizeram com que alterássemos nossos pensamentos, nossos olhos e ouvidos. Mudaram um pouco o mundo, nos fizeram andar mais, ler mais, querer mais. Correr atrás de um livro ou de um filme. Rir ou chorar muito mais.

As pessoas das prateleiras são doces e extremamente amargas pela ausência, distância ou silêncio porque uma vez na prateleira é quase impossível sair. É um lugar de puro vislumbre de um tempo que se foi e guarda-se apenas a essência como se guarda o primeiro dente ou a primeira rosa. As prateleiras guardam os amores perdidos, vencidos, impossíveis, sentidos, terminados, inacabados...

Os homens nas prateleiras são aqueles que, se nossa vida fosse um filme, este terminaria não muito feliz e, apesar de tudo, apareceria um crédito em letras neoclássicas dizendo “10 anos depois” e nós dobraríamos uma esquina e encontraríamos justamente com um deles e seríamos felizes. Mas vida não é filme - eu que o diga - ou seria uma desempregada ad eternum. Vida é assim mesmo, triste várias vezes e entre as tristezas, alegrias imensas. Os homens nas prateleiras raramente dobram as nossas esquinas mais de uma vez.

Lá ficam as lembranças de um momento que em nos sentimos capazes de carregar o mundo nas costas sem ajuda nenhuma, apesar da ajuda estar logo ao lado. Ali fica o tempo que gostamos de lembrar e apreciamos como vitórias mesmo, troféus. São os sorrisos de qualquer coisa a mais que nos ocorre.

A beleza das prateleiras é essa capacidade que todos nós temos de gostar ou amar tanto que o sofrer da perda, da impossibilidade ou de qualquer outro motivo fica simplesmente como conseqüência da vida e não como punição. Deixa de ser amargo como era no início e passa a fazer parte da sua memória sem dores.

É meio como um arrepio que te obriga a sacudir o corpo todo pra passar. As pessoas nas prateleiras são assim, arrepios na gente, obrigando a vida toda a se mover.
 

Designed by Simply Fabulous Blogger Templates Tested by Blogger Templates