03 fevereiro 2010

Reativo


Para R.,

Dez horas da manhã. A noite anterior acabara às 06:30 ainda com cheiro de cigarro e o eco da música alta. O despertador toca quase dentro da cabeça dele. Levanta-se com a boca seca, a língua dormente e um gosto amargo na garganta. Faz um café que desce torto, bebe três copos d'água. Um cigarro na varanda vendo o domingo ressaquento se movimentar sob seus pés.


Depois de vestido, pega as chaves do carro e por 3 horas dirige até seu destino sem pensar muito em consequências. Ele nunca foi de pensar no que poderia vir depois. Simplesmente reage a uma ação há muito feita e ainda sem fim. Uma ação que lateja como a dor de cabeça que sente naquela manhã. Infinitamente mais doce, porém.


Já havia imaginado tudo: a convidaria para um almoço, ouviria suas últimas novidades, falaria pouco da sua vida porque não havia muito o que dizer. Na verdade, ela era o que ele poderia contar de novo, mas não faria sentido falar dela para ela própria. Observaria atentamente enquanto terminava a sobremesa e então, ao final de tudo, a chamaria para voltar com ele. Pelo silêncio dela, saberia que a viagem seria solitária.


Mesmo assim, fez tudo o que fizera naquela manhã e seguia no carro ouvindo uma música alta para não cochilar. No fundo, não era mais ela, e sim, ele, o motivo de tudo. Por mais que repetisse o nome, viajava por si. Porque era necessário cair no buraco do coelho branco, na vida imaginada, numa desajeitada busca por tranquilidade. Era preciso esgotar-se nas próprias opções, nas perguntas e nas respostas. Por mais que tudo culminasse no silêncio ao final da sobremesa.
Era uma viagem para terminar o que havia começado, para impedir as ondas de se propagarem cada vez mais longe. Seria uma calmaria em cinco segundos. Mesmo se, contra todas as possibilidades, ela voltasse com ele dentro do carro, tudo estaria esgotado.

Ele sorriu no carro, aumentou o som, arriscou um assovio, abriu o vidro. Em breve tudo estaria completo. A volta seria um tanto mais leve.

2 comentários:

Stephanie disse...

hum, parece que eu conheço essa história - ou é aquela impressão de que certas história de (des)encontro guardam uns traços semelhantes.

beijos!

Marcela Bertoletti disse...

Nossa AMEI!
Simplesmente amei demais, vc conseguiu traduzir exatamente uma sensação, q imagino seja comum a maioria dos mortais, rs! Pelo menos alguma vez na vida.
Cara, como eu queria ter escrito esse texto!
"Na verdade, ela era o que ele poderia contar de novo, mas não faria sentido falar dela para ela própria."
"No fundo, não era mais ela, e sim, ele, o motivo de tudo."

Mari arrasou! :)
Vamos fazer um clipe!

Beijos

 

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