01 novembro 2011

"Ontem você tinha 11 anos"

Queria ser um menino, andar de skate igual aos irmãos e tocar baixo em uma banda de meninas como ela. Queria morar só, fazer vestibular e nunca lavar louça. Queria ser comunista depois uma falsa grunge e, por fim, metaleira. Queria ser aceita e por isso mentia. Queria distância de qualquer sinal de responsabilidade feminina. Queria de transbordar, de exalar querer. Isso tudo ontem, quando ela tinha 11 anos.
Hoje, aos quase-30 ela busca mais querer que qualquer outra coisa, querer nem que seja bater a porta. Hoje, inventando pequenas vidas novas e divertidas por não saber mais qual querer. Ontem, aos 11, quando ela era mais inteligente, impulsiva e perdida, porem, tão decididamente no caminho certo, ela se achava destemida ao ponto de escolher só.
Hoje, falta-lhe querer e sobram obrigações silenciosas que há muito deixaram de ser trajetória e viraram cegueira quase total. Quer um trisco de querer e só. Contenta-se com pouco, dá-se por vencida e prefere dormir bem. Ontem, aos 11, ela se envergonharia de si mas lhe diria que há volta mesmo assim. Basta que se invente um novo descompasso ou  pratique o desapego, que vire moleque de novo, que arranhe os joelhos ou leia um livro. Basta que tome um banho de chuva como aqueles que tomava. Qualquer coisa, contanto que seja logo pois amanhã, quando ela acordar aos quase-30 tão certa de si e invariavelmente perdida, tão cheia de opiniões e conselhos e vazia de páginas escritas, a primeira coisa que ela quererá é ter 11 anos.

26 maio 2011

A Carta

Já estava lá quando eu cheguei, quieta na caixa do correio, pronta para explodir. Nem deu tempo de dizer "wait a minute Mister Postman, quero esse envelope não! Não quero porque eu sei o que vem nele, quando eu abrir vai vir aquela saudade, vai fazer uma nuvem, vai ser que nem Anthrax! E eu, eu vou ter que sentir a falta que sinto dela nos ossos. Porque nós não tínhamos filho para dividir, então ela me deixou as alergias. Porque eu me recusava a crescer, ela deixou os saltos e a maquiagem. Porque eu não me lembro, ela deixou as fotos. Porque eu fiquei aqui, ela me deixou saudades. E, por já bastar isso, pode devolver este envelopinho cheiroso ao correio. Não é que falte coragem é só porque não aguento subir as escadas com ele, é pesado demais."

Para Magrela, o centésimo post deste blog de outono...

07 abril 2011

A verdade

Não sei dos seus medos mais do que eles são meus, nem dos seus silêncios mais do que são meus rancores. Não posso dizer da sua timidez mais do que a minha me impede de falar, nem posso dizer das suas complexidades sem mostrar as minhas tristezas. Não conheço a sua covardia sem assumir a minha própria. A verdade pura é que não conheço você mais do que a falta de ar que me provoca. Não sei quem você é além do meu descompasso.


24 janeiro 2011

Ritual do Banho

Existem mulheres que sentam em torno de uma mesa colonial e tomam chá às 5 da tarde com leite ou limão, existem as que jogam bridge ou buraco, as que jogam mahjong. As mulheres que jogam víspora no clube da Tijuca. Aquelas que bordam juntas, as que lavam roupa juntas e falam alto, as que fazem as unhas juntas. As mulheres finas que fazem aulas de história da arte, as que cozinham com os pés apoiados na canela para não cansar. E existem as que não se juntam, essas marcam um determinado horário para se juntar a alguém, uma vez por semana.

Dessas todas, existem as que tomam banho de mar juntas, principalmente no final do ano, para tirar o caé. No mar salgado e quente, sob um céu azul onde contam de si e, principalmente, dos outros. Onde falam da vida boa e também da que estava ruim até aquele banho de mar e onde qualquer morte se faz menor diante de um mar tão vivo. Mulheres que não sabem nadar e outras que sabem, que dividem qualquer coisa, cujos laços vão no fundo do mar e voltam, que seguram os biquinis para as ondas não puxarem. Mulheres que são apenas isso e nada mais e disso tiram todas as suas forças, responsabilidades, medos, deveres e direitos, que exigem espelhos e se perfumam. Iemanjás sentadas no banco de areia, falando da vida.

11 janeiro 2011

do diário de suelen gueiras

... todos esse tempo e só agora você cometeu o erro certo. aquele que muda tudo, aquele que procuramos para encerrar coisas. o erro que inunda tudo sem deixar outras opções. porque todos os outros enganos, mal-entendidos, silêncios ou grosserias deixaram um rastro leve de continuidade, aquela que sempre me agradou, aquela maré que seca e enche de tempo em tempo. dessa vez você errou em cheio, um erro muito acertado, sutil e no momento exato. erro cirúrgico. depois disso sobrou pouco, meu bem, muito pouco. sobrou só o de sempre: frio na espinha, nervosismo e a mão trêmula que você nunca mais vai ouvir falar, mas que não vai deixar de acontecer. tem sido menos dolorido que todos os outros erros, no entanto. você nunca errou tão bem. e, como eu te disse uma vez e já achava que nunca aconteceria, everything is illuminated. tudo se resolve, tudo se ilumina... seja maré cheia ou vazante.

 

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