14 setembro 2007

eu olho pro infinito e você de óculos escuros...

“Eu estou aceitando a realidade, só isso.” – ele falou pela terceira vez depois de diversas variações de um mesmo tema. Parecia que tentava convencer mais a si do que a moça quieta na sua frente. Ela não respondia porque não havia resposta por mais que quisesse rebater o monólogo. Ele buscara uma solução sem contra-argumentos, quem era ela para impedir o lúcido de voltar para sua vidinha real? Estranho como os lúcidos tendem a temer paixões furiosas e as transformam em impossibilidades. A moça, no entanto, era louca, acreditava piamente que surrealidades arrebatadoras e doces podem fazer parte do cotidiano de alguém dito normal. A moça calava enquanto ele, o lúcido, acendia um cigarro para ter o que fazer com as mãos tímidas e nervosas.

Tudo o que poderia ser dito já estava sobre a mesa antes mesmo do segundo “estou caindo na real... não tinha mesmo como dar certo.”. Para além disso só tristeza e surpresa e isso não oferecia palavras sensatas. Intercalou amargos e doces na boca, abriu a carteira para pagar a cerveja. Os olhos estouravam como ressaca e, sem querer mais lembranças, fugiram pro meio-fio.

“Vamos ser sensatos... pôr os pés no chão... essa situação...” – ele continuou vendo que ela se preparava para levantar sem mais discussões.
“A situação nem começou a existir ainda.” - ela cortou.

“Mesmo assim... não daria certo...” - só faltava mesmo essa faceta dele - a frouxa - para ela achar que o conhecia bem. Quando tirava os pés do chão o outro decidia pelo movimento contrário. Infeliz... ele ou ela, tanto fazia. Terminou a cerveja de um gole só e a ressaca dos olhos caiu sobre ele.

“Conformismo babaca esse seu.” – ela disse.

Não tinha como dar certo mesmo. Não enquanto ele não soubesse que é no exato tempo de um salto que certas paixões acontecem. No instante cronometrado em que o corpo suspende a subida, mas ainda não iniciou a queda, em que os pés não procuram o chão porque ainda estão extasiados com a liberdade e correm o risco delicioso de ficarem por lá.

Os passos firmes não fizeram barulho quando ela sumiu do bar, nem parecia que pisava no chão.

6 comentários:

Daniel Pfaender disse...

Não entendi ao certo a última parte... não quero ser machista mas o racionalismo dela frente a certeza de que a relação não vai dar certo não é um tanto masculino? Não quero dizer que o certo seria ela espernear e chorar. De qq forma não deixa de ser uma forma bem inusitada de se ver um rompimento...

sua escrita continua ótima! tava com saudades desses textos! bjs

Stephanie disse...

Mari,

terminei su texto com a impressão de aqui você toca num ponto que ficou suspenso naquela pergunta do meu último texto

numa relação (num amor, num querer...) não adianta alguém achar que há tempo ou possibilidade enquanto o outro simplesmente fecha os olhos.

"dar certo" não precisa ser festejar bodas de ouros. Pode ser simplesmente ir dormir na certeza de que, em algum lugar, há alguém vivendo de um jeito todo novo e bonito só porque duas pessoas se permitem sentir

adoro surrealidades arrebatadoras!

beijo beijo beijo

Marcela Bertoletti disse...

Nossa adorei o seu texto.
Ele me tocou de uma forma bizarra, pq me frusta muito esse tipo de situação em que as pessoas nao se permitem sentir, nem tentar, nem viver. Pq na verdade elas tem medo, e esse medo me revolta! E ela devia ter dito: nao daria certo pq vc é um covarde!
que coisa! rs.
Mas muito bom o texto, muito proximo de muitas realidades aposto. Me incluo entre essas.

Menina, amanha te ligo pra gente conversar. Tava enlouquecida essas ultimas semanas, fui pra BH. Mas quero saber como o filme ta indo.

Um beijo

Bernardo Tonasse disse...

Palmas silenciosas. Òtimo muitão.

Marcus Delt@ Alcoforado disse...

Eu falo de amor à vida,
Você de medo da morte.
Eu falo da força do acaso
E você de azar ou sorte.

Eu ando num labirinto
E você numa estrada em linha reta.
Te chamo pra festa,
Mas você só quer atingir sua meta.
Sua meta é a seta no alvo,
Mas o alvo, na certa, não te espera.

Eu olho pro infinito
E você de óculos escuros.
Eu digo: "Te amo!"
E você só acredita quando eu juro.

Eu lanço minha alma no espaço,
Você pisa os pés na terra.
Eu experimento o futuro
E você só lamenta não ser o que era.
E o que era?
Era a seta no alvo,
Mas o alvo, na certa, não te espera.

Eu grito por liberdade,
Você deixa a porta se fechar.
Eu quero saber a verdade
E você se preocupa em não se machucar.

Eu corro todos os riscos,
Você diz que não tem mais vontade.
Eu me ofereço inteiro
E você se satisfaz com metade.
É a meta de uma seta no alvo,
Mas o alvo, na certa não te espera!

Então me diz qual é a graça
De já saber o fim da estrada,
Quando se parte rumo ao nada?

Sempre a meta de uma seta no alvo,
Mas o alvo, na certa, não te espera.

Então me diz qual é a graça
De já saber o fim da estrada,
Quando se parte rumo ao nada?

. disse...

Lindo, sem palavras...

 

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