03 outubro 2007

Antes que as luzes acendam

As imagens piscavam frenéticas dentro dele compassadas por um coração meio bêbado e pela música rápida. Não ouvia nada e a luz intermitente não o incomodava. O gosto do uísque fazia lembrar que aquele momento não era nem paraíso nem inferno, era a Terra como sempre fora, com os quadris dela dançando na sua frente. Não era uma visão do passado, não era memória, era o novo com um gosto de melancolia que vinha junto com a bebida, talvez.

Era uma noite dionisíaca demais, muita gente, música alta - o uísque que ele já não sabia mais de onde surgia - e ela dançando. Ele não se reconhecia, inundado pela vontade de levá-la dali pela mão. A namorada estava longe suficiente para deixá-lo lembrar em paz que uma noite de sua vida se resumira a imprensá-la contra uma daquelas paredes e depois disso... depois disso várias coisas, tanto conquistadas quanto partidas.

Percebeu que ela deixava a pista na direção do banheiro. Pensou que poderia seguí-la, mas desistiu. Nada de mais, já fizera uma vez. Tanto seguir quanto desistir. Surgiu mais uma dose. Enquanto ficasse ali, sentado, desejando-a, ele beberia. Irremediável, tanto para o uísque como para ela.

No banheiro mínimo, ela bateu a cabeça contra a porta da cabine, vendo, nos olhos fechados, as lembranças passarem como se tudo fosse um velho drive-in. Quatro paredes e toda a sua saudade espremida, fazendo força contra o seu corpo. Era tão desnecessário chorar e quase incontrolável.

Saiu e olhou-se no espelho. Pelo chão, o resto da convicção de que não sentia mais saudades. Não era capaz de evitar um tremor nas mãos. Esfregou o rosto e convenceu-se de que era outra. Já havia perdido tempo demais querendo ser a mesma menina de antes, que não tinha mais remendo. Eternamente apaixonada pelo rapaz no sofá, que não era mais o mesmo. Irremediável, tanto para o sentimental como para ele.

Deixou o banheiro e voltou para a pista. Ele continuava sentado com parte do olhar nela, parte nos amigos. Não se deu por vencida, não chorou mais tempos idos, não se arrependeu nem tomou iniciativa. Apenas sorriu, para umas manipuladora, para outros decidida. Para ele, que era o único que importava, oferecia um trato. A namorada estava longe suficiente para deixá-los em paz com suas memórias. Ele com os olhos nela e ela dançando para ele.

Irremediáveis os dois.





3 comentários:

Stephanie disse...

Minhamiga,

mais uma vez, você e sua prosa são cheia de impressões e imagens que tenho a sensação de ver a coisa montada na minha frente. =)

poucas coisas são tão incoômodas como sentir saudades de um "eu" antigo e sabê-lo [irremediavelmente?] perdido.

beijos beijos beijos

Unknown disse...

Putz.... nao falo nada!!! vc eh bizarra!!!! Mexe com os sentidos e sentimentos dos que leem!
bjs

Bernardo Tonasse disse...

ah, mariana...

 

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