O nome dela era Lídia. Ele sabia porque prestara atenção na conversa dela enquanto a encarava com seus olhos muito verdes. Nesse dia ela olhou timidamente as estantes tortas do sebo e andou pelos corredores estreitos com medo de derrubar as pilhas de livros. Ele achou-a muito magra.
Na segunda visita, Lídia concentrou-se na literatura latina. “Garcia-Marquez, Cortázar e Borges...” – ele pensou com desdém – “Típico!”. Piscou e desviou sua atenção para o livro que escolhera. Lídia levou um Gabo.
Uma semana depois ela voltou com uma lista de livros. Ele estava escondido no último corredor e ouviu sua voz de menina. “Livros de faculdade.” – resmungou para si enquanto ouvia todos os itens da folha da jovem – “Vai ler um capítulo de cada e todos terminarão com a sina dos quase-lidos. Um cemitério de livros quase-lidos essa menina deve ter em casa!”
Certa manhã Lídia passou e ajoelhou-se na porta, ao lado das caixas de vinis. Nessa manhã, por um acaso, ele estava tão perto dela que pôde ver que seus olhos negros eram até lindos. E, enquanto ela não apareceu para a quarta ou quinta visita, ele sentiu falta dos olhos pretos que observavam as lombadas sem parecer notar todo o conhecimento que elas guardavam.
Porém, quando Lídia reapareceu e foi até a sessão de filosofia, ele se arrependeu de toda a saudade que sentira. Tinha realmente acreditado que ela mudaria seu estilo depois de freqüentar aquele mundo de cultura que era a sua livraria, mas parecia-lhe que não. Lídia já era velha demais (ele lhe deu uns 22 anos) e insistia na mesmice e nas leituras garantidas. “Ficará com aquele conhecimento previsível e corriqueiro para o resto da vida... Esse jeito juvenil de deixar os dedos correrem pelas capas dos livros achando que poderiam ter algo a dizer a ela... porque não cresce e desiste?”
Nas visitas seguintes Lídia espirrou, deixou as revistas caírem no chão tropeçou pela trigésima vez no banquinho do corredor. Toda a sua juventude aborrecia os seus anos de leitura e intelecto no meio da poeira de um sebo parado no tempo. E, belo dia, no meio dos seus suspiros insatisfeitos, percebeu que ela estava com seus olhos pretos exatamente em cima dele, num interesse repentino. De repente, o coração pesado e culto demais descompassou-se numa timidez disfarçada de raiva. “Que que é que olha tanto pra cá? Vai perguntar qualquer coisa estúpida, tenho certeza. Vai perguntar porque estou aqui todos os dias! Porque eu gosto, ouviu?! Porque tudo isso aqui é meu! Porque não leva logo o doido do Baudrillard e volta para a sala de aula? Aposto que vai querer este meu livro. Tão previsível! Pois digo logo que não dou. Fingirei até que não ouço! Não me venha com esses olhões pretos deslumbrados com a cultura do mundo. Não dou e não saio daqui!”
No meio do curto caminho Lídia olhou para trás e ele não entendeu mais nada. “Ela está virando a cara para mim?!” - e pôde ouvir a voz de menina dela falar:
Na segunda visita, Lídia concentrou-se na literatura latina. “Garcia-Marquez, Cortázar e Borges...” – ele pensou com desdém – “Típico!”. Piscou e desviou sua atenção para o livro que escolhera. Lídia levou um Gabo.
Uma semana depois ela voltou com uma lista de livros. Ele estava escondido no último corredor e ouviu sua voz de menina. “Livros de faculdade.” – resmungou para si enquanto ouvia todos os itens da folha da jovem – “Vai ler um capítulo de cada e todos terminarão com a sina dos quase-lidos. Um cemitério de livros quase-lidos essa menina deve ter em casa!”
Certa manhã Lídia passou e ajoelhou-se na porta, ao lado das caixas de vinis. Nessa manhã, por um acaso, ele estava tão perto dela que pôde ver que seus olhos negros eram até lindos. E, enquanto ela não apareceu para a quarta ou quinta visita, ele sentiu falta dos olhos pretos que observavam as lombadas sem parecer notar todo o conhecimento que elas guardavam.
Porém, quando Lídia reapareceu e foi até a sessão de filosofia, ele se arrependeu de toda a saudade que sentira. Tinha realmente acreditado que ela mudaria seu estilo depois de freqüentar aquele mundo de cultura que era a sua livraria, mas parecia-lhe que não. Lídia já era velha demais (ele lhe deu uns 22 anos) e insistia na mesmice e nas leituras garantidas. “Ficará com aquele conhecimento previsível e corriqueiro para o resto da vida... Esse jeito juvenil de deixar os dedos correrem pelas capas dos livros achando que poderiam ter algo a dizer a ela... porque não cresce e desiste?”
Nas visitas seguintes Lídia espirrou, deixou as revistas caírem no chão tropeçou pela trigésima vez no banquinho do corredor. Toda a sua juventude aborrecia os seus anos de leitura e intelecto no meio da poeira de um sebo parado no tempo. E, belo dia, no meio dos seus suspiros insatisfeitos, percebeu que ela estava com seus olhos pretos exatamente em cima dele, num interesse repentino. De repente, o coração pesado e culto demais descompassou-se numa timidez disfarçada de raiva. “Que que é que olha tanto pra cá? Vai perguntar qualquer coisa estúpida, tenho certeza. Vai perguntar porque estou aqui todos os dias! Porque eu gosto, ouviu?! Porque tudo isso aqui é meu! Porque não leva logo o doido do Baudrillard e volta para a sala de aula? Aposto que vai querer este meu livro. Tão previsível! Pois digo logo que não dou. Fingirei até que não ouço! Não me venha com esses olhões pretos deslumbrados com a cultura do mundo. Não dou e não saio daqui!”
No meio do curto caminho Lídia olhou para trás e ele não entendeu mais nada. “Ela está virando a cara para mim?!” - e pôde ouvir a voz de menina dela falar:
“Moço, o gato arranha? Ele está bem em cima do Barthes...”
"É só cutucar que ele sai."
Um comentário:
Que coisa triste "um cemitério de quase lidos". Na minha certeza de que não vai dar tempo de ler tudo o que eu gostaria, imagino que vários ficarão pelo meio, no caminho. Mas nunca havia pensado neles como um cemitério.
Esse gato é putamente pretensioso pra pensar que Lídia, aos 22 está velha pra uma boa literatura latina. Tenho certeza de que ela é uma menina ainda.
Seus textos estão muito bonitos, amiga. Dá alegria lê-los.
beijo
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