Nos idos de sabe-se lá quando, quando as mulheres mostravam apenas seus tornozelos para rapazes sedentos, havia Zilma. E Zilma, naquela época, não sabia que entraria nessa história, quase 70 anos depois, pois a Zilma dessa história tem sete anos e meninas de sete anos não planejam entrar na história de ninguém. Isso é vaidade para quando ficam mais velhas. Pois bem, sem saber, Zilma entrou na vida de Francisco e ela nem deve se lembrar dele, mas ele se lembra dela, mesmo 70 anos depois.
Havia em Salvador um Clube tradicional chamado Fantoches. Na verdade, há em Salvador o Clube Fantoches, mas é um fato que o Clube desta história não é o mesmo que existe hoje. Pois, o Clube Fantoches dessa história, localizado no Largo 2 de Julho, era famoso, promovia bailes e acontecimentos e foi em um desses acontecimentos que Francisco conheceu Zilma. Ele vinha no colo de Monteiro Lobato, vestido em um uniformezinho da escola pública e ela, no chão, de mãos dadas com o autor, andava com uma saia plissadinha, sapatos de verniz e cachos loirinhos presos numa fita. Monteiro Lobato, o autor das crianças, entrou no palco sob uma salva de palmas, sentou as crianças num banco ao lado do palco e começou um discurso. Sem titubear, como se cansada do mal iniciado discurso, Zilma levanta-se de pronto e sabendo que as atenções não estão mais nela deixa o palco muito decidida. Francisco a segue sem saber porquê. Ele não sabe dizer se foram os cachos loiros, a saia plissadinha ou a simples determinação de Zilma ao deixar muito claro que estava odiando ficar ali que o atraiu para mais perto dela. Ele a seguiu primeiro de longe, depois mais de perto, depois ela lhe estendeu a mão e caminharam assim até que ela parou muito séria e olhou para ele.
Zilma não falava muito, Francisco já tinha percebido, os olhos dela falavam por ela. Ela franzia a testa como se tudo aquilo fosse muito sério, um momento limite, uma decisão perfeita, exata, sem dúvida alguma. Francisco se fascinava como se Zilma fosse de outro mundo, um que ele queria se aproximar. E aí, num movimento só, sem nenhuma hesitação como tudo até aquele momento, Zilma baixou a saia plissadinha até os joelhos, olhou para baixo e depois para Francisco que perdera a cor. Francisco quis correr, ele realmente quis, mas os olhos de Zilma disseram que ele não podia. Ele quis fechar os olhos mas os olhos dele disseram que ele não podia.
"Agora mostra o seu." - ela disse balançando os cachinhos sem maldade nenhuma.
Francisco levou a mão à bermuda do uniforme imediatamente, muito mais por medo de que, pela força do pensamento, Zilma conseguisse arriá-la do que para realmente fazer o que ela mandava.
"Vai." - ela insitiu e caminhou até Francisco, dessa vez sem os passos de general e baixou a bermuda do colégio até o chão.
Ficaram os dois se olhando. Francisco sem conseguir conceber o que se passava pela cabeça de Zilma e com os seus próprios pensamentos zunindo na cabeça miúda. Os olhos de Zilma que mandavam-no fazer qualquer coisa, aquela pose audaciosa de menina de sete anos cansada da lenga-lenga do grande Monteiro Lobato. Zilma que ficaria na sua cabeça para sempre, a mais determinada de todas as mulheres da sua vida, a que tirou a roupa mais facilmente e ao mesmo tempo a que deixou mais claro o que estava acontecendo ali. Zilma que nunca o amou mas que ele amou depois disso sem saber, a que entrou na sua vida sem planejar, sem nem mesmo querer e ficou lá com a mesma pose de menina audaciosa de sete anos. Nenhuma outra fora como Zilma, nenhuma outra mandava nele só com os olhos, nenhuma outra tinha certeza que nunca mais o veria. Só Zilma.
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