Os meus olhos e os de Lia Diem se esbarraram em uma calçada de Botafogo no verão de 2007. Ela com um par azul arregalado como quem prendeu a respiração por tempo demais e eu com meu par negro perdido nos cartazes do Estação. Segurou meu pulso com firmeza e me puxou para perto de si em uma ansiedade que transbordava pelos dedos que me marcavam. Sussurrou desculpas e disse que tinha pressa, precisava contar logo uma descoberta. Os lábios pronunciaram palavras rápidas demais, apressadas pela felicidade de achar alguém, mesmo desconhecido, para compartilhar. Contou e eu poderia beijá-la por ter visto nos meus olhos pretos sem graça que era daquele segredo que eu precisava.
Contou-me das saudades que sentiu, das escolhas mal feitas, dos arrebatamentos e da calmaria. Havia entendido que a ausência e o silêncio podiam esconder curas quando menos se esperava. Ás vezes, conformar-se em ter sido ingênua é a primeira salvação e a primeira armadura. Disse-me que parara de cobrar a paz de espírito perdida para a paixão e desistira de catar pedaços de alma rasgados pelos cantos. Poderiam virar girassóis.
Contou-me das saudades que sentiu, das escolhas mal feitas, dos arrebatamentos e da calmaria. Havia entendido que a ausência e o silêncio podiam esconder curas quando menos se esperava. Ás vezes, conformar-se em ter sido ingênua é a primeira salvação e a primeira armadura. Disse-me que parara de cobrar a paz de espírito perdida para a paixão e desistira de catar pedaços de alma rasgados pelos cantos. Poderiam virar girassóis.
Trincou os dentes quando disse que há muito desistira de ser fiel a qualquer moral e bom costume sem sentido, não via seu papel de mulher como aquela que pode consertar um homem. Negava-se a carregar consigo qualquer um para o amadurecimento. Bastava a sua própria carcaça. Apreciava, sim, a companhia de quem o fazia da sua própria maneira e estendia feliz a mão e puxava um banquinho para o descanso. Não perdoava os julgamentos pelos quais passara e desejava que passassem pelo que ela passou e que chorassem quanto ela havia chorado. Guardava certos rancores que tentava extirpar ainda sem sucesso.
Beijou minha bochecha e contou dos desejos, das entranhas reviradas de amor, do dia em que o tempo parou, dos olhos que a refletem como espelhos, de amores, dúvidas e dívidas. Contou que morava em outra casa onde o vento era forte e que a chuva viria lamber as varandas mais cedo ou mais tarde . Depois do temporal qualquer coisa a mais nasceria e, quem sabe, melhor. A perturbação chegaria e partiria e a vida continuaria cheia de pequenos atos de felicidade.
Encerrou pedindo que eu parasse de pensar pouco da humanidade e desse para alguns minhas meias-patacas de confiança. "Trate de encarar os lobos, sinta muito medo, tenha qualquer esperança e mude, apenas para variar." Tomou fôlego e me soltou com um olhar mais feliz. Partiu pela rua sem manter uma linha reta. Acreditei que poderia ser eu. Na verdade, torci para que fosse.
Anos depois ela sentou ao meu lado no ônibus, me encarou e não disse nada. Achei que não tivesse me reconhecido. Quando se preparava para saltar, no entanto, encostou o queixo no meu ombro e sussurrou:
"Você está linda agora."
Era mais do que verdade. Meu nome era Lia Diem e eu tinha olhos azuis.
Um comentário:
(estava sentindo falta dos seus textos)
é engraçado como às vezes alguém repentino é capaz de revelar muito sobre quem somos, ou como gostaríamos de ser.
acho que se eu visse Lia por aí, a reconheceria de pronto - sem olhá-la já sei que me lembra gente querida...
(algo contra os olhos castanhos dos girassoís??)
beijo beijo
=)
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