27 agosto 2007

Cena 20 Plano 1 Take 1


The End.
Vamos começar pelo fim porque é assim que a semana está se iniciando. Terminou. Vinte e cinco peixes dourados que foram pendurados em uma árvore em Botafogo foram devolvidos ao dono, um quarto de criança foi desmontado por completo, um quarto de hotel foi pago, um gato de luz cortado.
Não sobrou nada, só luz e sujeira. Saudades do after no anexo, com ar-condicionado, cerveja e cansaço no rosto de todo mundo. Quando se precisa acordar cedo a farra parece mais atraente. Fazem falta vinte e cinco peixes na área de serviço, o ronquinho do motor do respirador. A casa está mais vazia e me falta a visão surreal daqueles seres alheios ao mundo, flutuando na minha casa. Peixe só lembra de cinco segundos, o suficiente para que a segunda volta no aquária seja absolutamente nova para ele. "blessed are the forgetfull..." Deus já deve ter feito isso pensando que peixe terminaria mesmo, na escala da evolução, em aquário.
Ficou a alma da menina pelo caminho. Diferente de seus atores peixes ela não esquece e nem quer que o cansaço acabe porque é a certeza de missão cumprida.

17 agosto 2007

Enciclopédia Foster de Metáforas e Comparações

página 18

"Sabe farol de ônibus em dia de chuva? Aqueles com água dentro? Eram os olhos dela quando eu disse que ia embora."

13 agosto 2007

PROCURA-SE

alguém em quem descansar os olhos e o espírito

02 agosto 2007

A Menina e o Italiano

Um dia a Mãe levou a Menina ao cinema. Mãe, Menina e Tia no cinema em noite feminina. A Mãe gostava de filmes estranhos, quanto mais difícil a língua mais ela gostava. A Menina não entendia. Mãe e Tia discutiam. As luzes apagaram e acenderam e ela, do alto de seus doze anos, de cabelos escorridos partidos no meio da cabeça, soltou um sonoro “Ô filme podre!” E nunca mais assistiu nada do dito Italiano. N-U-N-C-A.

Mesmo assim, um pouco traumatizada, ela cresceu e foi estudar cinema. Cortou os cabelos bem curtos e desistiu do repartido no meio - pela graça de Deus! Ainda cruzava a ponte Rio-Niterói guardando um resquício da teimosia pseudo-intelectual que vinha cultivando desde os 12. “E aquele diretor, o que você acha?” – perguntavam os amigos e ela replicava com a mesma propriedade de dez anos atrás: “Ô filme podre!”

Ficou assim por muito tempo, convencida de que algo que não havia entendido no princípio estava errado para sempre. Até que decidiu despencar-se ao centro para assistir certas pérolas na tela grande. O Italiano estava lá e ela decidira dar outra chance porque era benevolente. Nunca chegou a ver o filme. O trânsito, a Voluntários da Pátria, a volta às aulas... tudo se uniu para que ela não chegasse. Na mesma hora, na sua casa na Itália, o Italiano morria.

Foi estranho quando a Menina voltou para casa porque justamente o Italiano do filme podre, a fez perceber algo novo e que andava faltando nela. A Menina entendeu que ver um filme é ter uma pessoa muito viva e presente perto de você, se desenrolando em grãos de prata e luz. Por duas horas o diretor respira no seu pescoço e, se não respirar, é porque não é bom. Era por causa disso que ela sempre achava que essas pessoas nunca morriam. Ao contrário, - ela notou - todo diretor morre aos poucos porque deixa um pedaço de alma em cada filme. Quando não dá mais para fazer filmes, eles acabam. Na hora de escrever o obituário o termo certo seria “terminou”. O Italiano não morreu, ele terminou. Que nem filme. Terminou. Dá para ver sua alma por aí.

Era a hora da Menina perder um pedaço de alma... e ela estava feliz.
"Visione del silenzio
angolo vuoto
pagina senza parole
una letera scrita sopra un viso
di pietra e vapore
Amore
Inutile finestra"
Michelangelo Antonioni - Caetano Veloso
 

Designed by Simply Fabulous Blogger Templates Tested by Blogger Templates