26 maio 2007

Esses dias de outono

Ela gostava muito de dormir. Ele era um insone. No meio disso muita coisa. Palavras na verdade, mais que outras coisas que talvez aconteceram. Não se sabe até hoje qual dos dois as levou mais a sério. Ninguém entendeu se foi ela que acordou de sobressalto antes do tempo ou ele que não dormiu pro sonho.

Fato era que agora se reencontravam, numa hora em que ela estaria acordando e ele estaria indo dormir, com um céu de várias cores e um vento com cheiro de terra molhada. Ela queria que fosse outono, mas não era. Estava longe de ser outono.

Os dois se viram, mas pareceu que não. Não havia palavra nenhuma. O peito doeu? Esse peito ainda doía? Ou era a saudade que se guarda pra se sentir nessas horas de reencontro? Ela não ouviu o peito dele reclamar. Talvez fosse a distância entre os dois, não só aquela de poucos metros, mas a fina linha de um limite melancólico que impedia qualquer palavra. Se fosse outono existiriam palavras.

Seria estúpido perguntar se ele não conseguia dormir. Seria estúpido dizer qualquer coisa depois do outono terminado. Ela sentou-se no degrau da porta da casa, pés na grama molhada. Sorriu-lhe um bom dia sem palavras. Ele tirou os óculos escuros que disfarçavam as noites em claro e sorriu-lhe de volta. Lembrava dele bem ali, também sem óculos, rosto cansado de noites em claro com ela. Mas na lembrança era outono.

Ofereceu-lhe um café e acrescentou: “Pra ajudar a emendar no dia de hoje.” - depois calou-se e sentiu-se estúpida. Café para um insone que provavelmente queria dormir.

Ela percebia agora o porquê de não terem mais palavras. Na verdade, já havia se acostumado com isso, o que não havia conseguido fazer era abrir mão delas. Queria as palavras dele de volta, puras e simples, sem declarações, sem desabafos, diretas e que a faziam rir. A vontade de lhe contar o dia só por contar, sem querer o dia dele em troca. Dizer que estava cansada da vida e que lembrou dele ao ouvir uma música e ver um filme. Quem sabe ele responderia uma gracinha, uma novidade e os dois ririam depois nas suas respectivas vidas. Não era o silêncio que a incomodava era a falta de qualquer coisa que lhe desse sentido. Era o fato de ter seu outono quebrado. A falta de palavra. A falta do outono. Não era mais a falta dele nem das noites com ele.

Ele aceitou o café, para sua surpresa. Tomou a caneca da mão dela e sentou-se na grama molhada, bem ao lado dos seus pés.

“Está sem sono?” - a voz dele, que na sua cabeça era sempre sem palavras, lembrou o outono.

“Nunca.” – ela respondeu e ele riu, quebrando um silêncio sem significado após estações inteiras. Era como se nada tivesse acontecido e ela desejara, no passado, que nada tivesse acontecido, pois a pouparia de uma tristeza. Agora ela se arrependia de ter pensado tal coisa. Tudo deles ela queria, não de volta, mas no seu devido lugar num outono de dias bonitos onde as pessoas suspiravam “esses dias de outono...”

Havia acabado mesmo, por inteiro. Agora não deixava mais saudade, deixava lembrança e silêncio e estava remendado. Era o quê agora? Talvez primavera. Palavras de novo no ar? Ela bateu de leve no ombro dele. Ficaram lá, sem mencionar o outono nem mais nada. Palavras novas, sem declarações, faziam-na sorrir e lembrava-se de dezenas de coisas para contar e saber. Mas primeiro um instante de silêncio pulsante e ansioso para acreditar que as coisas, ás vezes, se remendam.

3 comentários:

Bernardo Tonasse disse...

Nossa, mergulhei demais nisso. Fiquei até com vertigem. Não ouso comentar o texto em si. :)

Bernardo Tonasse disse...

Isso porque seria me meter em coisas que não me dizem respeito. Certos textos não dizem respeito a ninguém.

Anônimo disse...

ainda bem que existe algo mágico pra fazer as coisas remendarem-se. a minha vida foi colada, mais uma vez. não há quebras, nem ranhuras e dessa vez, eu espero poder vivê-la intensamente: com ou sem sono.

beijos, mari.

 

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