14 maio 2007

Amarcord


Era um portão branco nada ameaçador. Pelo contrário, era convidativo. De voltas brancas, que riscava um arco gasto no chão de lajota. E “lajota” era palavra que se dizia lá e nunca aqui. Da mesma forma que muriçoca. E elas eram muitas.

Era uma sala de chão desenhado, um par de sofás que pinicavam. No fim do corredor havia um cofre grande suficiente para guardar todos os sonhos infantis e pesado suficiente para permanecer lá até o fim dos dias ou até que ela se casasse. Ambos eram igualmente distantes.

Casa de mistérios. Qual seria o cheiro do homem que jogava para o alto um primo mais velho inacreditavelmente pequeno? A redoma de vidro protegia a Nossa Senhora do quê? Porque a cama de casal se a avó só dormia de rede? O que existia no último quarto, aquele do telefone preto e pesado cuja ponta do fone encaixava perfeitamente no seu queixo pequeno?

E, depois de caminhar pelo banheiro todo verde-azeitona e pela cozinha toda azul-céu, lá estava a cadeira de balanço estacionada ao lado da porta do jardim. Ali a luz do sol era sempre delicada, na medida exata para fazer os cachos grandes e brancos dela brilharem. A menina que vinha de longe entrava sem cerimônias e ela punha as palavras cruzadas no colo, balançava os pés pequenos em chinelas havaianas, dava um sorriso e falava bem alto:

“Olha ela aí!”

2 comentários:

Anônimo disse...

Saudades da vivenda.A casa do homem com nome de poeta,da senhora da cadeira de balanço,do engenheiro que ocupa a ponta do continente na foto da turma Irmão Torquato,da médica que passou a ter uma outra vivenda na cidade maravilhosa,da economista que cuidou com maestria da vivenda,do primo inacreditavelmente pequeno,da prima de rosto redondo na foto deitada ao lado do irmão,da menina linda que tomava banho de mangueira...e dos outros dois que se foram mais cedo para recepcionar o homem que iria mais tarde.

Bernardo Tonasse disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
 

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