25 junho 2008

Mecânica Celeste

A humanidade quer ser lembrada. Tanto e de tal forma que se angustia, se enterra sob a tarefa em vez de buscar dias mais frescos. O velocista, o empresário, o presidente, a mãe, o homem-bomba, todos almejam apenas a memória, querem ficar retidos atrás dos olhos, numa rede diáfana chamada lembrança. É difícil não ver na memória a possibilidade de uma vida eterna, de existir para sempre como o audaz, intrépido, apaixonante, gênio... e, de todos os momentos em que buscamos essa solução para nossos dias contados, somos mais insaciáveis quando amantes.

Ali, quietos, guardados em memórias, os amantes querem se resguardar do mundo e existir em uma vida doce. Queremos, mais que todos, permanecer. Manter-nos ao alcance dos olhos, insistindo para que as fotografias não sejam arrancadas, os presentes devolvidos. Desejamos ser parte da vida do outro, como a fotografia velha que, colada ao porta-retratos, todos têm cuidado em arrancar. Até aqueles de nós que se viam como amantes seguros de si, sem medo de dores nem quedas, vêem-se arrepiados ao pensarem na possibilidade de serem lavados de enxurrada pelas sensações de uma chuva fria e nova. Então, agarramo-nos à esperança de termos sido especiais suficientes para restarmos de pé.

Permanecer dentro de alguém é o remédio para a dor da perda e a cura para todo o fim. Os mais ingênuos sabem sem perceber, os descrentes só entendem nas últimas latas d’água, que, o que sobra é lembrança e apenas isso nos ancora para os dias seguintes. No fim, queremos todos sobreviver na história, seja ela do mundo ou de outrem. Queremos essa nesga de luz que é saber que estamos vivos e bem, não só em nós, mas em outros olhos que nos vêem invariavelmente sorrindo, felizes, de mãos dadas como se, no mundo, nada pudesse nos apagar.

3 comentários:

Stephanie disse...

quando alguém se conta da arbitrariedade de que é estar vivo - e entende que quando morrer o mundo continuará girando, as pessoas que mais ama (e a amaram) chorarão, mas seguirão com suas vidas

a simples idéia de ser esquecido, ainda em vida, é muito doída

e no mais, ter do que se lembrar também pode ser sinal de que o tempo passado foi bem gasto e que aprendeu algo pro que vem por aí...

beijo

Bernardo Tonasse disse...

mariola né boba não...

Anônimo disse...

Adorei!

"...o que sobra é lembrança e apenas isso nos ancora para os das seguintes". Não vou me esquecer disso. E agora, tento encontrar "essa nesga de luz"

(e que dia que eu escolhi para ler esse texto)

 

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