11 maio 2008



"...Quando ele levantar e sair, vai começar a chover essa chuva de verão guardada há mais de uma semana. Eu não vou acompanhá-lo com os olhos porque ele vai sair pela porta mais ensolarada e se desfazer no contra-luz. Esse, portanto, é o único momento para retirar tudo o que eu disse, mas, tão certo quanto o aguaceiro que vai desabar quando ele sair, eu não vou fazer isso.


Ele deveria entender que eu tenho uma tendência a heroísmos inúteis, a arrependimentos e evito julgamentos, não gosto de dedos na cara. Então, eu faço as coisas dizendo que assim é o correto e elas podem até ser, mas em mim, quando o vejo, existe apenas o errado. É errado ser tão certo assim. E isso é um sinal dos fortes para que me levante junto com ele e diga que eu o quero. De uma forma tão carnal quanto o verbo querer pode ser, daquele querer de tornar as noites curtas demais. Se eu pudesse, parava de me fazer de forte, parava de me arrepender e brigar e lhe dava pescoço, ombros, cheiro e abrigo para a chuva que vai cair. Mas, tão exata quanto qualquer ciência que ele possa vir a dominar, eu não vou fazer isso.

Ele levanta e sorri. Eu também. Concordamos em tudo, por mais que seja a minha menor parte a comandar toda a conversa. Pequena, porém convincente, minha parte maior é ligeiramente suscetível e, quiçá, covarde. No reflexo dos óculos escuros meus olhos fogem de mim.

Como eu imaginei, ele vira uma silhueta escura na saída. Venta lá fora, cheiro forte de chuva. Penso que é a ultima vez, agarro a bolsa, daria tempo para correr, pará-lo e beijá-lo na chuva. Porém, por mais que funcione nos filmes, não vou fazer isso. Eu me aproximo da porta de saída sem ter mais o que fazer. Há em mim um misto de dever cumprido e grito entalado, a desolação de ter feito algo certo quando preferia ter escorregado como uma mera mortal, o cansaço por querer sempre o equilíbrio.

Piso na rua e chove. A chuva é para mim, sem dúvida, não por causa de qualquer teoria sobre erros e probabilidades, mas porque hoje eu mereço. Fria, sem rumo certo, cheia de vento, batendo as portas e janelas que encontrar. Tudo sobre a minha cabeça de uma vez só, uma verdade sobre a minha personalidade a cada lampejo e rugido. As poucas quadras até minha casa ficarão maiores desse jeito e eu posso imaginar o quanto... e eu nem uso guarda-chuva..."

4 comentários:

Anônimo disse...

A chuva choveu sobre os justos,
E também sobre os [...] injustos,
Mas mais sobre os justos, porque
Os injustos tinham dos justos o guarda-chuva.

Anônimo disse...

Lembrei de você por esses dias. Inevitável quando olho o céu azul "azul" destes dias de outono que insistem em permanecer. "Venha ver!"

Beijo,

DMM.

Marcela Bertoletti disse...

Lindo texto Mari, adorei!
É seu?
Saudade!
Beijos

Anônimo disse...

Você já leu o livro do Rafael Lima, Non Sense são os outros que tem essa imagem do Magrite?

 

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