12 março 2008

Princípio da Incerteza

(versão feminina do texto "Joules", de Daniel Pfaender)

Ele já estava no bar quando cheguei, vícios ao redor: cerveja, cigarros, a pose e a morena da mesa em frente que sacudia madeixas prensadas em chapinha. Sentei bloqueando a morena. Serviu-me uma cerveja e um sorriso bonito e pouco dissimulado. Era sempre desse jeito, o sorriso convidava a sentar e logo havia aquela armadura de segurança que o fazia ter os movimentos mais firmes e determinados que eu já vi e que, no fim, se transformava em um certo esnobismo encantador. Nossos encontros eram assim: eu retraía e ele avançava naquela tática de homem que sabe o que quer, eu me deixava levar. Eu o admirava, engolia minhas meninices, caminhava mais que as pernas para aceitar suas ditas modernidades. Mas naquela noite estava cansada. Cansada do jogo, da espera, de olhar pra cara dele, de ter que ensaiar em mim 25 outras pessoas para saber qual se encaixava melhor com o humor do dia. Naquela noite só havia uma pessoa no bar e, no decorrer da conversa, ela não parecia nunca combinar com ele.

Eu falava de projetos, evolução, vídeo game e arte, ele ensaiava megalomanias com gestos amplos, dizia do quanto já tinha vivido, do último livro que tinha lido e da pena que era o mundo perder Fidel. Eu procurava o homem de antes e só encontrava um homem agradável qualquer. Discorreu sobre como gostava da liberdade e da pena que tinha das mulheres que se aproximavam imaginando poder namorá-lo. Disse-lhe que não tinha mais quinze anos e que não tinha necessidade dessas transgressões juvenis de “não-tenho-ninguém-e-sou-melhor-assim.”

“ah que é isso, você que é mais tradicional.” - ele zombou.

“ou você que não viu que tem 27 anos e não precisa mais da pose de menino pegador.” – eu retruquei.

Ele calou e eu percebi que algo dentro dele não soube me responder. Pela primeira vez faltaram palavras e não me vi acuada e sem jeito. Havia um espaço infinito diante dele que nunca tinha sido ocupado por mim, me espalhei por ali, cresci naquele vácuo. Sorri. Ele se desculpou, disse que precisava ir, pagou a conta e deu um beijo inacreditavelmente indeciso para o homem dos gestos exatos e do olhar determinado. Talvez tenha ido procurar a resposta direta que ele saberia me dar antigamente, talvez nunca mais sentássemos para uma cerveja. Tarde demais, estava dito e claro que algo havia desviado do caminho e, muito provavelmente, era eu.

Apenas duas coisas eram importantes ali, no entanto. A primeira era que eu deixei que ele me visse por inteira e ele não pareceu gostar. Devia, pois não é sempre que aposento as outras 25 para sentar só na mesa do bar. Faço isso com quem realmente paga a pena. A segunda era que, agora que sabia que podia ser dois, o homem seguro e o menino, ele poderia voltar mais agradável.

Eu, com certeza, teria opções à altura dos dois.



* O princípio da incerteza diz que é impossível determinar conjuntamente a posição e a velocidade de uma partícula.

3 comentários:

Unknown disse...

Acredito que ensaiar multiplas pessoas, para saber se combina com o desejado, tem um que de beleza. Beleza de inicio, mas depois cansa e vao se dividindo as multiplas restando poucas. Ate se encontrar uma unicidade de ambas as partes. Isso se complica com o tempo pois na verdade sempre aparecem uma ou outra "pessoa" que nao fora ensaiada e acaba ficando dissonante.
Otima jogada entre blogs ahhahaha fui procurar o outro pra ler. Bem legal. bjs

Stephanie disse...

aimeuDeus, eu conheço esse cara! e esse jogo! putaquepariu! ou então alguém muito parecido com - ele deve ter um irmão de alma solto por aí...

(esse negócio de virar o texto dos outros do avesso é muito divertido - e rendeu um bom texto)

o problema de haver várias possibilidades é um dia encher o saco de tentar saber qual é a do dia. Cansar dos hermetismos, das meias palavras, dos silêncios suspensos misterisos e das saídas estratégicas de efeito que mais parecem batida em retirada...

ai ai.

beijo

Bernardo Tonasse disse...

Mariola!

O seu texto e o outro do Daniel falam de um dos aspectos que me são mais fascinantes no relacionamento entre duas pessoas. Escusado dizer que o seu é excelente.

Qualquer dia desses a gente sai pra beber e conversar sobre a minha teoria da gangorra, que tem a ver com isso aí.. heheh

beijo

 

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