01 abril 2007

Neurologias


“Esquizofrenia leve”, disseram os doutores diante das minhas queixas de linha cerebral cruzada. Prescrição especial. Mas como o Diazepan não me fazia lá tão bem, provocava uma certa dormência no meu lobo occifrênico diametral superior central, na quinta prega F4, responsável basicamente pelas minhas risadas e minha habilidade para tarefas mais complicadas como contar piadas e fazer caretas (Acreditem em mim, não há coisa pior que ver graça nas coisas e ser incapaz de rir). Sendo essa minha maior queixa suspendi a medicação e mudei de doutor.

“O senhor entende o que eu digo, doutor?” – disse eu – “Que o meu lado esquerdo fala muito mais que o meu lado direito comigo? O lado esquerdo é verborrágico, o direito é mais tímido. Mas o incômodo é que eles brigam, doutor! Arengam incessantemente. O lado esquerdo é mais enérgico, não me deixa dormir, o direito, mais tranqüilo, se refugia em corações e cacos durante o dia. "Covarde!" diz o esquerdo e resmunga qualquer coisa o direito. Eu fico no meio, como uma mãe que segura os meninos travessos pelos pulsos na hora de atravessar a rua.”

“O problema doutor, é que o lado direito não responde, pobrezinho. É romântico, idealista, jovem, indeciso. É libriano, entende? O esquerdo não. O esquerdo é o resto, tagarela, instigador, obsessivo, firme, sábio. O esquerdo não quer ser nada que ele já não saiba que é. Eu cedo ao lado esquerdo e afago o direito como um gato. Às vezes o direito me puxa suavemente prum canto e me diz que eu sou ele. Minha voz se amansa e eu sou bem mais feliz comigo mesma. Já o esquerdo reprova e me mostra um mundo mais repleto que o mundo direito. No meu caso doutor, o meu direito é gauche. Que me diz o senhor?"

“Que dia é hoje, hora e onde você está?”

“Eu sou LOTE* doutor, não se preocupe. Digo-lhe que o problema é apenas de falta de telefonista nisto tudo, sabe? Alguém que envie a chamada certa pro destinatário competente. Linha cruzada, doutor.”

O doutor suspirou e olhou o pátio do hospital.

“E então doutor, tem como descruzar?”

“Não, não tem. Infelizmente. A senhora, entre esses dois lados, é quem?”

“Eu? Ué, eu sou eu! Margarida.”

“Não, não... a senhora se vê mais no lado direito ou no lado esquerdo?”

“Ah não doutor, não me enrole com essas de política que o meu negócio aqui é neurológico!”
*LOTE = Lúcida e orientada no tempo e no espaço.

4 comentários:

Stephanie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Stephanie disse...

é amiga, muito boa sua comédia.

esse lance de lados brigando realmnente é enlouquecedor.

Menina, acho que nem Drmmond tinha um lado direito gauche, ele era gauche inteirinho. Vai ver que o anjo que tocou trombeta quando sua personagem nasceu só tinha uma asa.

=)

beijos

Bernardo Tonasse disse...

Que legal essa incursão pela comedim. :)

Bernardo Tonasse disse...

Porém devo dizer que não dos meus favoritos...

 

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