22 outubro 2006

Cair

Tinha perdido o chão ou o teto, não sabia mais. Não sabia mais se o mundo tinha virado de ponta-a-cabeça ou se estava apenas levemente pendido como se todo o peso das coisas do coração fizesse o corpo tender para um lado. De qualquer maneira, chão ou teto, virado ou inclinado, pouco importava: o que marcava era que estava longe de qualquer realidade.

A velha questão do “se jogar” vinha a sua mente naquele momento. Porque existe o "se jogar" suicida, depressivo e obscuro. E existe aquele atirar-se eletrizante. O “se jogar” que escolhera era este último. Não havia nenhum risco suicida nela; apenas esse gosto pela queda. A vertigem de tempos indefinidos num curto espaço de tempo definido.

Jogou-se, então, e dessa forma passou a fazer parte dos que caem. E estes sempre acham que o fundo está mais distante do que realmente está. Ledo engano, o fundo está sempre lá. No caso dela, foi por muito tempo, muito pouco, muito perto. Quase como se alguém tivesse puxado o colchão que apararia sua queda um pouquinho mais para longe. Perdeu por pouco, o que não serve de consolo. Perdemos e ponto. Nos jogamos e ponto. Imutável. A queda terminava de súbito, tão repentina quanto havia começado.

Agora estava ali, chegando ao fundo, tudo muito parado naquele momento em que o corpo tem o primeiro contato com o chão, em que ainda não há a dor física, só o fim do frio na barriga. O fim daquele vento que levava os cabelos para cima. O fim da queda mesmo, onde os que caem relembram a vertigem e o coração fica cheio de um alento suave, se preparando para uma dor que todos os que caem sabem que vão ter e que é proporcional à altura da qual se joga. Na verdade, o que todos os que caem sabem é que o que dói mais não é bater contra o chão, e sim, o fim da queda.
 

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